A direita sacristia
A direita, aqui, é bronca e tresanda a sacristia. Gostava muito da Outra Senhora, de quem tem saudades, mas, circunstâncias do tempo obligent, travestiu-se de democrática. Toma a cor que lhe convém camuflada na árvore da democracia onde se alimenta da incauta bicharada que, na boa-fé, a frequenta. Podia chamar-lhe, por isso, também, direita camaleão. Mas prefiro sacristia. Porquê? Porque é vê-la na missa das seis, a comungar, a bocejar, a olhar discretamente para o relógio quando o senhor cónego se alonga na peroração da homilia; é vê-la na procissão do Corpo de Deus, ao pálio, enfatuada e aprumada, saudosa do tempo em que a cidade inteira parava para ver; é vê-la nas oficinas da oração, na batota da Senhora da Serra, na Via-Sacra da Semana Santa, no comício de apoio ao Candidato, onde, às vezes, levada por entusiasmo genuíno, se despe da pose democrática e deixa ver, despudoradamente, digamos assim, as partes pudendas que mostram, inequivocamente, o seu verdadeiro género.
Cheira intensamente a sebo de vela e discretamente a perfume barato. Tem um fraco por batinas. Reza antes e depois do, infelizmente biologicamente necessário e inelutável, acto sexual com a esposa legítima. Com a outra - que tem, ou procura sofregamente por razões óbvias, às escondidas, pensa, de Deus - é um animal feroz, desbragado e fetichista até dizer chega. Olha a liberdade dos outros, sobretudo dos jovens, com raiva de frustrado; “revolta-se” com a “pouca vergonha a que isto chegou”, mas, às escondidas, vê os canais X do cabo e navega gulosamente pelos bordéis cibernéticos da net. Cheira a mofo. Tresanda a naftalina. Fede a vício privado e a virtude pública.
Lê o Mensageiro, o Diabo e a Dama das Camélias. Nem tão mal. Sempre é ler. Não tem um autor moderno. A mais culta já tentou Chardin, mas desistiu porque não entende. Confunde Marx com o diabo, que nunca viu, nem a um nem a outro: ambos são mitologia da alma. Ainda ouve a Amália dos caracolitos e espanholitos, adora Tony Carreira e o padre Borga. Ainda se revê nos “grandes feitos” da raça, na gesta lusitana (a que lê continua a eliminar dos Lusíadas o canto X). Abomina o Marquês, a I República, o 25 de Abril. Abomina, no fundo, a liberdade, sobretudo a dos outros. Acendia as fogueiras purificadoras não fora, apesar de tudo, o Estado de Direito.
É muito? É pouco. Sociologicamente daria um tratado.