A esquerda salpicão
Em Bragança não há esquerda caviar. Quando muito, existe uma esquerda salpicão. Apresenta-se como sendo ovas, mas ovas de cavala, ou de safio, quando muito de pescada do alto. Eu prefiro chamar-lhe salpicão, o caviar do fumeiro. Mas então não há esquerda, em Bragança? Há. Mas esta de que falo fica muito à direita de qualquer esquerda de jeito. Senão vejamos.
É intelectual, possui uma licenciatura ou mais, emprego do estado ou afim, veste Boss e usa mala Louis Vuitton. O perfume depende, mas ainda há quem use o velhinho Aramis, e até o Chanel 5, essa bomba que derruba um touro a cem metros de distância. No Verão calça chinela de couro e põe sacola à bandoleira. Faz férias pela Europa, carotas mas de assegurado impacto sócio-cultural (não sei se me faço entender...). Ainda põe o cravo e ouve o Zeca, mas só no 25 de Abril. Vai ao teatro municipal apanhar secas e mostrar-se.
Acha que cultiva o bom gosto. É alternativa q.b.. Habita, ou gostaria de habitar, na zona histórica. É culta porque lê Saramago. Vagamente já ouviu falar de Marx. Desiludiu-se com a classe operária, que vê com incómodo evidente, em chusmas, a passear ao domingo, de fato de treino, num centro comercial do Porto. Vai fazer compras ao Porto.
No resto, também se cumprimenta com um só beijo, exibe o carro anos 60 – e usa a bota de carneira e a saia rodada que fizeram história.
Arma-se ao pingarelho, é pindérica. É ecologista e nunca plantou uma árvore. Faz da lagartixa de rabo azul e do rato de Cabrera fetiches intelectuais, mas depois queixa-se da falta de água, quando ela falta, e da estrada para Vimioso, quando, raro, lá vai. É contra a barragem do Sabor e a favor do Azibo, de que já foi fervorosamente contra. Deixem naquela aparecer a lontra...
Fuma charutos. A mais cultivada aderiu ao Bloco e defende as causas fracturantes. Tem pedigree, fantasiado, mas pedigree. Cultiva a desilusão e o cinismo ideológico. Porque é chic. Porque é de esquerda. Esquerda de quê?